Fabio Duarte
Exposição retrata memórias e desigualdades vividas pelo povo negro no RS.
Débora Fogliatto
Há mais de 15 anos, José “Zé” Darci descobriu-se pintor. Ele, que já desenhava desde criança, realizou um curso de artista plástico em Pelotas, onde vive, e se especializou no ofício. Mas foi apenas dois anos depois que ele passou a perceber-se e trabalhar como um artista plástico negro, a partir de contato feito pelo próprio movimento negro da cidade do sul do estado. As pinturas feitas ao longo de sua carreira foram reunidas na mostra “Memória e Identidade: Uma visão africanista”, exposta desde a última terça-feira (12), no Memorial do Rio Grande do Sul e Museu de Direitos Humanos do Mercosul, em Porto Alegre.
A partir de 2002, Darci começou a frequentar palestras e reuniões, aproximando-se do movimento negro. “Por participar de muitas conferências, palestras, comecei a ver a questão social e da desigualdade e a refletir. Comecei a pintar a questão da necessidade, da favela. Não são imagens bonitas de se ver, mas entendi que como artista do século 21 teria que deixar retratado o nosso momento. Alguém teria que fazer do feio a obra de arte, passar uma mensagem”, relata o artista.
Nas obras expostas, essa conotação política e social fica evidente. Há telas que retratam quilombos, favelas, desigualdades, além de um Cristo negro e retratos. Uma das obras é denominada João Saudade, a partir da música nativista que relata a história de um homem que saiu do campo e veio para a cidade. “Porque, oh João/ Deixaste o galpão / E a lida campeira/ Pra ser na cidade /Mais um João-saudade / Sem eira, nem beira?”, questiona a canção, que Zé Darci diz não ter descoberto de quem é a autoria. “Fala do homem do campo que veio à cidade grande e acabou trocando seu cavalo e hoje se vê nas ruas da cidade puxando sua carroça de papelão. Eu não sei quem é o autor, mas eu me apaixonei por essa música e estava relacionada ao meu trabalho, à questão social”, relata.
O trabalho remete ao negro gaúcho, segundo explica ele, não apenas com o João Saudade negro, mas também com detalhes dos ambientes das pinturas. “As obras mostram nossa região como ela é. Na questão das favelas, por exemplo, não as mostra como montanhas, eu mostro as favelas da nossa região, que são planas”, descreve.
A partir de um projeto da Universidade de Pelotas em parceria com o Ministério da Educação para implantar o ensino de cultura afro nas escolas, Zé Darci começou a viajar e conhecer a realidade de quilombos. “Comecei a conhecer os quilombos, suas necessidades. A Baile dos Defuntos foi uma história fenomenal contada realmente para nós por um quilombola do interior de Piratini”, relata.
A exposição faz parte da programação do Fórum Social Mundial, promovida pelo Memorial. A atual diretora do museu, Maria Helena Nunes, já conhecia Zé Darci há cerca de seis anos, a partir de um projeto em que ele retratava a história da Revolução Farroupilha até o Massacre de Porongos. “Como diretora do Memorial, ela se interessou muito pelo meu trabalho e me convidou para expor dentro do Fórum, porque tem tudo a ver com discussões que são feitas”, aponta o artista.
Como a maioria dos eventos do FSM começam apenas no dia 19, Zé Darci descobriu que “abriu o Fórum”, já que sua exposição começou antes dessa data. “Eu tenho uma preocupação de que meu trabalho não passe despercebido, que a pessoa possa criticar ou gostar, mas não ficar indiferente”, resume.
SERVIÇO
O que: Memória e Identidade: Uma visão africanista
Local: Sala da Pintura – 2º andar – Memorial do RS, Rua Sete de Setembro, 1020.
Visitação: 13 de janeiro a 29 de fevereiro. De terças a sextas, das 10h às 18h, sábados e domingos, das 10h às 14h.
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