Muitos livros, poucos filmes: escritor e roteirista falam sobre arte em Cuba
Natália Otto
Cuba é a ilha da literatura. Um pedaço de terra no meio do mar onde o livro mais caro custa no máximo dois dólares e quase todo cidadão tem uma biblioteca em casa. É o que conta o poeta e crítico literário cubano Virgilio López Lemus. “Dizem que a maior produção do meu país é o açúcar de cana, mas embaixo de cada planta de cana tem cinco poetas”, brincou o escritor, em palestra dada na Sala dos Jacarandás, na Feira do Livro de Porto Alegre, nesta segunda-feira (29).
Pesquisador em literatura com mais de 30 títulos publicados, Lemus mostrou um panorama histórico da poesia cubana e falou das condições da indústria literária no país. “A produção poética de Cuba só pode ser comparada, na América Latina, com a do Chile”, afirmou. “Mas a poesia de Cuba não pode ser resumida ao que é escrito apenas na ilha”, alertou, explicando que cubanos que migraram para outros países na América Latina e para os EUA têm importância no meio literário do país. “Temos uma poesia aberta ao mundo”.
Virgilio Lemus explicou que, a partir dos anos anos 60, com a vitória da Revolução Cubana, a poesia política e coloquial ganhou força no país. “A revolução precisava de uma poesia politicamente agressiva, que desse o testemunho da situação do povo naquela década”, explicou o escritor. Ele afirmou que os poetas de geração de Fidel Castro ainda têm o protagonismo na cena literário de Cuba. Já os novos escritores seguem com frequência uma corrente mais intimista, na contramão do discurso político.
Livros acessíveis para comprar e publicar
“Temos uma indústria do livro muito grande, muito maior que a do Brasil”, pontuou Lemus. Ele afirma que todas as províncias de Cuba têm uma editora, e todo município tem seus poetas. Os livros são produzidos em baixa qualidade e todo o espaço do papel é aproveitado pelas palavras. A edição rústica, no entanto, resulta em um preço extremamente acessível e permite que muitas pessoas tenham a possibilidade de publicar uma obra. “Temos jovens escritores com 25 anos que já têm seis, sete livros publicados”, afirmou.
Lemus explicou que, nos anos que seguiram a revolução cubana, a indústria do livro tornou-se mais rica e os produtos, mais baratos. Hoje, “em um momento de aperto na economia mundial e um misto de capitalismo e socialismo na economia cubana”, os livros ganharam em qualidade. “O livro mais caro em médica custa 30 pesos cubanos, o que é menos que um dólar”, explicou o poeta.
“A leitura é muito forte na cultura cubana. Praticamente todas as casas têm sua biblioteca”, pontou. Lemus contou que, às vezes, livros muito esperados pelo público formam filas em frente às livrarias. “No mundo capitalista, os livros são muito caros. Quando viajo, não me deixo entrar em livrarias, só olho a vitrine”, brincou o poeta.
Para Lemus, a acessibilidade do livro é algo que Cuba, que passa por mudanças em seu modelo econômico, precisa conservar. “Temos muito o que mudar, mas o rico desenvolvimento da cultura nacional deve prevalecer. Se perdemos o livro barato, perderemos uma das conquistas mais importantes da revolução”, afirmou.
Ao contrário da produção literária, a indústria do cinema cubano dificulta a autonomia dos artistas
O escritor, roteirista e dramaturgo cubano Reinaldo Montero também esteve na Feira do Livro nesta segunda-feira (29). O artista participou de um debate sobre os desafios das adaptações literários no cinema e falou sobre as condições da indústria cinematográfica em Cuba – que, de acordo com ele, não são nem de longe semelhantes às da indústria literária.
“A cada dois, três ou quatro meses, sai um filme em Cuba. O problema é que são todos co-produções”, lamentou. “Filmes 100% cubanos são uma raridade, uma proeza”, disse o escritor, que não conseguiu enumerar nenhum. Para ele, a co-produção tira a autorialidade do diretor e roteirista, que devem obedecer as exigências dos produtores.
“Vêm produtores da Madrid, de Paris, de Berlim, de São Paulo. E nenhum produtor te dá dinheiro e te deixa fazer o filme que tu queres”, afirmou. “O cinema é uma promiscuidade, todos metem a mão no roteiro e tu tens que acabar abrindo mão das próprias ideias para atender os caprichos de atores, diretores e produtores divos”, lamentou Montero.
Apesar das difíceis condições da indústria, o público cubano apoia a produção nacional. “O público de Cuba é de uma nobreza que me assombra”, considerou. “Eles vêem os filmes nacionais com devoção. Vão ao cinema como quem vai à igreja”.
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